Por: Fausto Fabiano da Silva
A existência de certos animais, normalmente domésticos, no mundo espiritual, descritas em obras mediúnicas, tem levantado críticas que chegam a dizer que essas descrições não são Doutrinárias. Porém, existe um interessante caso de uma cachorrinha chamada Mika, relatado na Revista Espírita de maio de 1865, que, depois de morta, é percebida pelos seus donos, fato esse que torna o assunto merecedor de mais atenção, para não cairmos em conclusões equivocadas. Vejamos o relato:
“Ultimamente, pelo meio da noite, estando deitado, mas não dormindo, ouço partir dos pés de meu leito aquele gemidinho que soltava a pequena galga, quando queria alguma coisa. Fiquei de tal modo impressionado que estendi o braço fora do leito, como se a quisesse atrair para mim e julguei mesmo que ia sentir suas carícias. Ao me levantar de manhã, contei o fato à minha mulher, que disse: ‘Ouvi a mesma voz, não uma, mas duas vezes. Parecia vir da porta de meu quarto. Meu primeiro pensamento foi que a nossa pobre cadelinha não estava morta e que, escapando da casa do veterinário, que dela se teria apropriado graças à gentileza, queria voltar à nossa casa”.
E prossegue ainda: “Minha pobre filha doente, que tem sua caminha no quarto da mãe, afirma que também ouviu. Apenas lhe pareceu que a voz não partia da porta de entrada, mas do próprio leito de sua mãe...”.
Tudo poderia ser bem simples, se déssemos alguma outra causa ao som que foi ouvido. Porém, as palavras de um espírito sobre o ocorrido, realizada em comunicação mediúnica, em 21 de abril de 1865, pelo médium Sr. E. Vézy, na mesma Revista Espírita, pode alterar o rumo das conclusões, e esse espírito diz, textualmente: “A manifestação, portanto, pode ocorrer, mas é passageira...”, podemos, então, partir para a hipótese de que, se essa opinião for verídica, a frase encontrada em O Livro dos Espíritos, questão 600 (sobre os animais): “Não lhe é dado tempo de entrar em relação com outras criaturas” poderá ser interpretada como uma tendência geral, e não como princípio absoluto e inflexível.
Por outro lado, a afirmação sobre a erraticidade, encontrada em O Livro dos Médiuns (Capítulo XXV, das Evocações): “Assim, no mundo dos Espíritos não há Espíritos errantes de animais, mas somente Espíritos humanos”, muito utilizada para questionar a existência dos animais no mundo espiritual, é facilmente resolvida. Ora, na questão 600 de O Livro dos Espíritos, o conceito de errante é claramente relacionado, exclusivamente com o espírito humano: “O Espírito errante é um ser que pensa e obra por sua livre vontade”; dessa maneira, não existem espíritos de animais errantes, pois estes não pensam como os seres humanos, nem têm o correspondente livre-arbítrio; entretanto, isso não quer dizer que não existam animais no plano espiritual, já que, “errante”, segundo evidenciam os espíritos, é uma condição tipicamente humana. Podemos fazer uma analogia, para entendermos melhor o assunto, lembrando o conceito de “cidadão”, na Grécia Antiga, que era relacionado apenas a uma minoria de homens livres, o que não excluía da realidade social a existência de outras pessoas, como as mulheres. Pensando dessa maneira, podem existir animais, no plano espiritual, porém, errantes, somente os espíritos humanos desencarnados.
O pesquisador espírita italiano, Ernesto Bozzano, autor de diversas obras, entre as quais, um livro, “A Alma nos Animais”, publicado, originalmente, em italiano, com o título Animali e manifestazioni metapsichici, em 1923, portanto, antes da série André Luiz, relata vários casos de espíritos de animais que são vistos ou ouvidos por uma pessoa ou várias, aumentando a possibilidade de esses fatos serem verdadeiros1. Um dos casos estudados por esse autor descreve o aparecimento de uma gata, depois de morta. Vejamos as conclusões de Ernesto Bozzano sobre o caso:
“O caso acima mencionado é bastante interessante e significativo, primeiro por causa da natureza inquestionável do fato; depois, porque o fantasma foi visto por quatro pessoas em momentos diferentes, o que elimina a hipótese de alucinação pura e simples. Tendo em vista este fato, apenas duas hipóteses podem explicar o caso: a primeira consistiria na suposição de que se tratava da visão de uma gata viva que teria sido confundida com a gata falecida; a segunda seria a hipótese espiritual-telepática. Refiro-me à primeira explicação pelo simples dever de relator, pois nossos leitores já terão percebido que esta suposição não se sustenta perante a análise das circunstâncias. Primeiramente porque, no caso em análise, tratava-se de uma gata exótica, única do seu tipo, no local onde o acontecimento se passou, e caracterizada por uma pelagem típica dos gatos persas, circunstâncias estas que tornariam absurdo pressupor que quatro pessoas, em plena luz do dia, tivessem podido se equivocar na identificação. Em seguida, porque observamos que a gata apareceu mancando, exatamente como o animal morto. Em terceiro lugar, porque a gata-fantasma não apresentou sinais em nenhum momento de que ouvia as pessoas chamarem-na – o que teria sido inverossímil caso se tratasse de uma gata viva, e que, em contrapartida, constitui um traço característico da maior parte dos fantasmas telepáticos e espiritual-telepáticos, que não possuem a consciência do meio em que se encontram. Finalmente, não devemos esquecer que o pequeno fantasma desapareceu inúmeras vezes diante dos percipientes de uma maneira sutil e inexplicável. Sem nada a acrescentar, o que acabo de afirmar é suficiente para demonstrar que a hipótese da visão de uma gata viva, vista por quatro pessoas que a confundiram com a gata falecida, não se sustenta diante do exame dos fatos. Somos obrigados a concluir que o episódio em questão é certamente um exemplo autêntico de aparição do fantasma de um animal defunto.
José Herculano Pires, no livro “Mediunidade, Vida e Comunicação”, tem uma opinião interessante sobre esses fenômenos que vale também a pena citarmos:
A sobrevivência da forma animal confirma a teoria espírita a respeito, enquanto a psicocinesia revela a possibilidade de controle dessas formas pelo poder mental dos espíritos. As manifestações de fantasmas-animais não são naturalmente conscientes como as de criaturas humanas, mas são produzidas por entidades espirituais interessadas nessas demonstrações, seja para incentivar o maior respeito pelos animais na Terra, seja por motivos científicos.
Na visão de Herculano, os fantasmas animais não apareceriam de forma espontânea, mas somente através da vontade de espíritos humanos; só resta saber se o elemento espiritual dos animais que sofre a ação dos espíritos estaria realmente vivo ou se trata de uma aparência. Se os princípios espirituais de certos animais poderiam ser vistos pelos encarnados, sob a ação dos Espíritos, poderiam muito bem existir, no plano espiritual, sob essa mesma ação, sem que isso tivesse o poder de alterar a Lei Geral (L.E. questão 600) e de serem, na grande maioria, quase imediatamente utilizados. Da mesma maneira que o princípio geral de ir e vir, presente na Constituição brasileira, não é alterado por algumas restrições a esse direito, como, por exemplo, a necessária autorização para entrar em propriedade privada.
Não podemos esquecer a conclusão de Allan Kardec sobre essa problemática, escrita na Revista Espírita, de maio de 1865: “Quando tivermos reunidos documentos suficientes, resumi-los-emos num corpo de doutrina metódico, que será submetido ao controle universal. Até lá, são apenas balizas postas no caminho, para o esclarecer.”
Notemos que, em maio de 1865, já tinha sido publicada a segunda edição de O Livro dos Espíritos e, com esse livro, a questão 600, e também O Livro dos Médiuns e, mesmo assim, Kardec entendeu que seria melhor reunir novos estudos, evitando uma palavra final sobre o assunto. Da mesma forma, Ernesto Bozzano, nas conclusões do seu livro “A Alma nos Animais”, não nos dá uma resposta categórica: “Eis o porquê da conclusão legítima de que tudo concorre para demonstrar a realidade da existência e da sobrevivência da psique animal; embora, conforme recomendam os métodos de pesquisas científicas, antes de nos pronunciarmos definitivamente a esse respeito, é necessário esperar um acúmulo posterior de fatos...”.
Essas conclusões não definitivas sobre os fatos e a necessidade de mais estudos obrigam os espíritas a serem mais cautelosos e, consequentemente, seria de boa educação guardar silêncio respeitoso, antes de classificar essas descrições de fantasiosas, ou antidoutrinárias, mesmo porque elas podem ser verdadeiras...
1. No fenômeno da visão ou audição de espíritos de animais, não seria necessária a união fluídica entre o homem e o animal, como alguns pensam. Mesmo porque, essa união é impossível, devido à diferença evolutiva brutal entre ambos. Essas percepções de animais mortos entrariam, por isso, numa outra categoria de fenômenos, da mesma maneira que os Espíritos humanos podem aparecer para certos animais (Livro dos Médiuns em “Da Mediunidade nos Animais”) sem que exista nenhum intercâmbio fluídico entre ambos.
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